sexta-feira, 8 de agosto de 2025

MORAR BEM | ISAY WEINFELD

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“Morar bem” pode ter vários significados diferentes… Para aqueles que não tiveram a chance de sequer um teto para morar, “morar bem” pode ser apenas “ter um bom colchão”. Para os que tiveram todas as chances, o conceito de “morar bem” vai se modificando durante a vida. No começo, o quarto do bebê, o gosto da mãe, a mesmice infantil. Depois, os primeiros desejos, as cores, o lugar de brincar. Mais tarde, os primeiros sintomas da personalidade, o quarto que se transforma num mundinho particular, a loucura. À medida que vamos crescendo, começamos a acumular – os discos, os livros, os cacarecos. Começamos a perceber que são estas as coisas que nos traduzem. Nossa casa vira um amontoado de lembranças, começamos a colecionar objetos, arte, inutilidades. “Morar bem” já não cabe em nosso espaço. Sentimos necessidade de exibir, de receber pessoas em casa, de aumentarmos a família.


Enfim, de mais espaço. É tudo tão grande que os desencontros ficam mais frequentes, a solidão aumenta, o vazio torna-se insuportável. Amadurecemos, e o significado de “morar bem” continua a se modificar. Já não estamos tão satisfeitos assim, em nos perdermos dentro de nossa própria casa. Vamos chegando à última parte da vida, e bate uma vontade de sintetizar, jogar tudo fora, se desfazer, procurar a essência, se ver livre… finalmente. Daí, “morar bem” significa estar no menor espaço possível, ficar só com aquela peça que resume toda a coleção. Significa, a simples parede branca. É quando fica claro que não precisamos realmente de muita coisa. Nada muito além de um bom colchão.


Isay Weinfeld
Revista Joyce Pascowitch
Fevereiro 2008

ENTRE A GENEALIDADE E A PERFORMANCE | FLAVIO DE CARVALHO

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Flávio de Carvalho nasceu em 1899, em Amparo, no interior de São Paulo. Desde jovem demonstrou inquietação intelectual e artística, o que o levou a estudar engenharia civil na Universidade de Durham, na Inglaterra, e a frequentar cursos de arte em Paris. Na Europa, entrou em contato com o modernismo e com as vanguardas artísticas e científicas, absorvendo influências do futurismo, do expressionismo e do cubismo, além de ideias da psicanálise e da antropologia. Esse repertório seria a base de uma carreira marcada por experimentos ousados e por uma provocação constante às normas estabelecidas.

Fachada externa na Alameda Lorena

Vila modernista na Alameda Lorena

De volta ao Brasil no início da década de 1920, Flávio mergulhou no ambiente modernista que se seguia à Semana de Arte Moderna de 1922. Atuando como arquiteto e urbanista, projetou edifícios e residências com traços inovadores, que frequentemente rompiam com a estética predominante. Desde o início, sua postura crítica e pouco convencional gerou atritos com clientes e instituições, mas também conquistou admiradores que viam nele uma figura fundamental para arejar o pensamento artístico brasileiro.


Em 1930, criou a cadeira FDC1, hoje considerada um ícone do design moderno nacional. Feita em madeira e marcada por linhas limpas e estruturadas, ela não tinha como objetivo oferecer o máximo de conforto, mas sim provocar reflexão. Seu encosto levemente inclinado e o assento que exigia uma postura ereta eram um gesto consciente para tornar o ato de sentar uma experiência atenta, longe da passividade. Para Flávio, a “incomodidade” era uma crítica direta à cultura burguesa que priorizava a forma e o status sobre a função, e a FDC1 tornou-se exemplo de como o mobiliário poderia carregar discurso político e estético.



No ano seguinte, ele realizou a chamada Experiência n.º 2, quando decidiu participar de uma procissão de Corpus Christi caminhando em sentido contrário à multidão, observando as reações. O ato lhe rendeu perseguição e quase agressões, sendo protegido pela polícia. Mais do que uma provocação gratuita, Flávio tratou a ação como uma investigação sobre comportamento coletivo, reforçando sua imagem de artista “perigoso” e desafiador.

As décadas seguintes foram marcadas por intensa produção pictórica, experimentações teatrais e textos críticos. Flávio escrevia sobre arte, moda e comportamento com uma ironia afiada, e se interessava especialmente por como o vestuário e o espaço urbano moldavam as relações sociais.



Em 1956, no auge de uma onda de calor em São Paulo, realizou um de seus atos mais famosos: a Experiência n.º 3. Baseando-se em suas reflexões sobre o vestuário masculino no clima tropical, concebeu um traje composto por saia curta, camisa de mangas bufantes e meias até o joelho. Vestido assim, caminhou pelo centro da cidade, registrando e analisando as reações dos transeuntes. A experiência gerou curiosidade, risos e insultos, e foi amplamente noticiada pela imprensa, que a tratou como um escândalo. Para Flávio, porém, tratava-se de um experimento artístico e antropológico sobre preconceito, gênero e as convenções sociais ligadas à roupa.

Flavio de Carvalho apresenta o New Look. Com Maria Della Costa e Maria Ferrara, costureira do traje de verão, 1956 (Foto: Arquivo CEDAE - IEL/ Divulgação)

Em Experiência nº 3, de 1956, Flávio de Carvalho (ao centro) realizou um desfile pelas principais ruas do Centro de São Paulo, vestindo apenas uma blusa transparente, saia curta de pregas, meia arrastão e sandálias: essa performance desafiou convenções sociais da época e reverbera reflexões até os dias de hoje.
Foto: Fundo Flávio de Carvalho/Centro de Documentação Alexandre Eulálio-CEDAE/UNICAMP


Nos anos 1960 e início dos 1970, continuou ativo em exposições e debates culturais, embora concentrasse mais esforços na pintura. Morreu em 1973, deixando um legado que atravessa o modernismo brasileiro e chega até a arte contemporânea. Sua trajetória é um testemunho de que a criatividade não está apenas na técnica ou na forma, mas na coragem de confrontar padrões e provocar reflexão. A FDC1 e as experiências urbanas mostram como ele usou tanto o objeto quanto o corpo para questionar costumes e desafiar o conforto das certezas. Em tempos atuais, suas provocações seguem relevantes, lembrando que a arte pode — e talvez deva — ser um ato de desconforto calculado.

sábado, 2 de agosto de 2025

CASSINA | O LEGADO DO DESIGN MODERNO

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Quando falamos em mobiliário de alto design, poucos nomes carregam tanto peso e história quanto Cassina. Fundada em 1927, em Meda, na Itália, a marca se tornou referência mundial por sua habilidade em unir artesanato refinado, inovação tecnológica e colaborações com alguns dos maiores nomes do design e da arquitetura.


Ao longo de décadas, a Cassina construiu um catálogo que vai muito além de simples móveiS, são verdadeiras peças de história, preservadas e reinterpretadas para o presente. Entre esses mestres do design, dois nomes se destacam especialmente: Charlotte Perriand e Pierre Jeanneret.


Charlotte Perriand: A Arquitetura do Conforto

Chaise pensada pelos designers: Corbusier, Perriand e Janerret

Discípula e parceira de Le Corbusier, Charlotte Perriand foi uma das pioneiras em inserir o funcionalismo no universo doméstico sem abrir mão da poesia e da humanidade nas formas.
A Cassina, através da sua Cassina I Maestri Collection, preserva várias de suas criações históricas — entre elas a icônica Chaise Longue Basculante B306 (1928), desenvolvida em colaboração com Le Corbusier e Jeanneret.

Coffee table Rio idealizada por Charlotte Perriand

Mesa Ventaglio da designer francesa disponivel através da Cassina

Ombre Chair - Design em contraplacado inspirado na tradição japonesa do origami. Leve e empilhavel.

Bookcase Nuage - Cassina

Curiosidade: Perriand defendia que a chaise longue fosse uma “máquina de descanso”, projetada para se adaptar ao corpo em várias posições. Até hoje, a versão produzida pela Cassina mantém a estrutura original em aço tubular cromado, um marco da estética modernista.

Pierre Jeanneret: A Elegância Discreta

Primo e colaborador próximo de Le Corbusier, Pierre Jeanneret deixou sua marca no design através da simplicidade sofisticada. Embora tenha trabalhado em projetos urbanos de grande escala, como a cidade de Chandigarh na Índia, suas criações para interiores revelam um cuidado artesanal único.


Kangaroo Armchair - Jeanerret

Capitol Complex Armchair


Na coleção da Cassina, encontramos peças que dialogam com esse espírito, como cadeiras e poltronas que mesclam madeira maciça e palhinha — elementos que se tornaram sua assinatura. Ao reunir nomes como Perriand e Jeanneret, a Cassina reafirma seu papel como ponte entre passado e futuro, preservando o legado do design modernista e mantendo-o vivo nas casas contemporâneas. 

quarta-feira, 30 de julho de 2025

ÍCONE DO DESIGN BRASILEIRO | DAAV CHAIR

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Alguns móveis não apenas ocupam espaço: eles o transformam. A cadeira DAAV, criada por Sérgio Rodrigues em 1983, é um desses casos. Com presença marcante e personalidade única, ela combina proporções generosas, conforto e muita personalidade, adjetivos tão frequentes nos trabalhos do Sérgio que o consagrou como mestre do design brasileiro.

A base, em aço inoxidável — polido ou pintado de preto — confere leveza visual e um toque contemporâneo. Em contraponto, a estrutura em madeira maciça, geralmente imbuia, transmite robustez e calor. O assento e o encosto estofados, disponíveis em tecido ou couro, completam o conjunto com conforto e elegância.


O nome DAAV nasceu das iniciais do cliente que encomendou a primeira peça — um detalhe quase íntimo, que adiciona uma camada de personalidade à criação. Originalmente, a cadeira foi projetada para compor os ambientes do Hotel Mofarrej Sheraton, em São Paulo, nos anos 1980. Sua reedição, lançada em 2007, reafirma seu status como clássico atemporal.
Nada na DAAV é discreto: braços largos, linhas plenas e proporções generosas que acolhem o corpo. É um móvel que impõe autoridade no ambiente, mas sem perder a leveza e o charme tropical que marcam a obra de Sérgio Rodrigues.


A primeira vez em que vi as Daav de pertinho foi neste espaço do Jorge Elmor.

Mais do que uma cadeira, a DAAV é um exercício de equilíbrio: a força da madeira e o aconchego do estofado repousam sobre uma base esguia de metal, criando uma peça que é, ao mesmo tempo, sólida e fluida. Passadas décadas desde sua criação, continua a inspirar arquitetos, designers e apaixonados por mobiliário brasileiro.

terça-feira, 29 de julho de 2025

LE PAYSAN pour JACQUEMUS

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 Apresentado no dia 29 de junho de 2025 na L’Orangerie do Château de Versailles, o desfile “Le Paysan”(Primavera‑Verão 2026) foi uma carta de amor às raízes rurais de Simon Porte Jacquemus, evocando a infância no sul da França e a tradição arreigada da cultura familiar agrícola.



  A escolha da Orangerie — antiga estufa imperial dedicada à proteção de laranjas, frutos e espécies botânicas — não foi estética, mas profundamente simbólica. O local, com suas paredes brancas, arcadas suaves e ambiente luminoso, ecoa a delicadeza silenciosa da vida no campo e conecta diretamente com a herança da família Jacquemus, especialmente sua bisavó Claire, relembra Simon em sua narrativa pessoal
Essa integração entre arquitetura e moda tornou-se material poético: o cenário monumental e natural amplificou a sensação de retorno às raízes, ao passo que as silhuetas delicadas flutuavam sob os arcos clássicos, criando um diálogo visual entre tradição e modernidade. 

BRAVO SIMON!